Já tinha passado do meio de outubro quando o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou o lançamento do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Para quem não conhece a publicação, o anuário organiza informações que são fornecidas por fontes oficiais da Segurança Pública (em diversas esferas) e, no documento desse ano, aquilo que os movimentos sociais vêm dizendo há tempos se concretizou mais uma vez: a população jovem (com menos de 35 anos), masculina e negra é a que mais sofre com violência intencional (e institucional) no Brasil. Um dado que choca, mas não surpreende se você está minimamente ligado nas notícias.
Lendo o título e o primeiro parágrafo do texto, imagino que você deva estar preparado para um texto que vai dissecar os tipos de racismos, as estatísticas de violência no país e escancarar estereótipos que há muito tempo não são mais aceitáveis. Certo? Espero que não... Para evidenciar o período de propaganda da consciência negra que se avizinha (ou já está por aí), resolvi ir por outro lado e trazer uma prática que aplicava com meus alunos do 8º ano do Ensino Fundamental.
Por conta de traquejo pedagógico, antes de fazer outros apontamentos, quero saber se você conhece o termo afrofuturismo. Veja bem, preciso de antemão dizer que não sou especialista no assunto, mas, de maneira muito objetiva (e, portanto, passiva de generalizações em exagero), afrofuturismo é a ideia fantástica de considerar os negros no futuro. Essa corrente que tem uma forte pegada estética surgiu da hipótese de falta de presença negra no futuro – e essa hipótese é baseada em dados, do presente e do passado, das populações negras (e eu realmente torço para que você não esteja esperando que nesse momento eu descreva sobre os males da colonização e suas heranças, estou partindo do princípio de que você já sabe sobre isso ou vai pesquisar por si). Mas, enfim, é isso mesmo, afrofuturismo é um conjunto estético que influencia na música, na literatura, no cinema e na moda, levando em consideração a diáspora africana e, consequentemente, muito de suas tradições.
Nomes e títulos do âmbito internacional são Sun Ra, Octavia Butler, HQ do Pantera Negra (Marvel), Erykah Badu, Jannelle Monáe, Beyoncé, o duo Ibeyi e Rihanna. No Brasil ,temos a valorização da estética africana e suas tradições na obra de Elza Soares, Xênia França, Conceição Evaristo, Ale Santos e Fábio Kabral (e vários mais).
Uma das coisas mais legais que li até agora sobre o termo veio da repórter Rebeca Oliveira, quando ela escreve que “mais do que uma corrente estética e cultural, o afrofuturismo vem para mostrar utopias possíveis para o povo preto”. Essa frase, justamente por conter a contradição de “utopias possíveis”, fez com que eu me lembrasse especificamente de um trabalho realizado com algumas turmas de 8º ano, quando, ao ser responsável pelo conteúdo de Geografia da África, buscava não contar apenas uma geografia daquele continente (e aqui estou numa paráfrase escancarada do vídeo “O perigo de uma história única”, da nigeriana Chimamanda Adichie). Naquele período em que estava em sala eu não conhecia o termo que trouxe nos parágrafos anteriores, mas buscava fontes que falassem em outras direções daquelas que estavam expostas no dia a dia. Sabe por quê? Mostrar outros lados ajuda na ponderação e na alteridade. Qualidades fundamentais para gerar, de fato, consciência.
É claro que não vou descrever aqui o trabalho que era feito com os alunos, não tem espaço pra isso, mas se quiser mais nomes para ajudar a desenvolver a sua consciência negra, que tal começar por conhecer as pessoas e as obras de Ondjaki, Chimamanda Adichie, Chinua Achebe, Paulina Chiziane, Mia Couto, Pepetela, Ayaan Hirsi Ali, Immaculée Ilibagiza, Ishmael Beah, Wole Soyinka, Nadine Gordimer e Futhi Nstshingila?
*Rafaela Dalbem é assessora de Geografia do Sistema Positivo de Ensino.
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