Bem-estar profissional, retenção de talentos e aumento de receitas estão entre os benefícios observados; pesquisa indica que 74% dos trabalhadores seriam mais produtivos em uma semana mais curta



Mais de um século desde a adoção da semana de cinco dias de trabalho pelo americano Henry Ford, que virou regra no mundo todo, um novo modelo com apenas quatro dias de atividades começa a ser testado, com resultados positivos. No Brasil, empresas que instituíram a nova jornada veem melhorias de eficiência, bem-estar dos trabalhadores, retenção de talentos e até aumento de receitas. Por ora, a mudança tem sido adotada mais em companhias de tecnologia, como Crawly, NovaHaus, Winnin, AAA Inovação, Gerencianet e Eva Benefícios.

Mas o modelo, que reduz a carga horária de 40 horas para 32 horas semanais sem alteração de salário, exige um planejamento prévio com atenção à legislação trabalhista e à cultura organizacional. Além disso, para ter êxito em termos de gestão de pessoas e negócios, é necessário revisar metas e tarefas diárias e mensurar com frequência os resultados.

O conceito é inspirado em experiências de empregadores em países como Islândia, Reino Unido, Bélgica, Nova Zelândia, Escócia e Estados Unidos. Muitos decidiram adotar regimes mais flexíveis diante do fenômeno da grande debandada (profissionais pedindo demissão) e do esgotamento profissional provocado pelo trabalho, condição oficializada na lista da Organização Mundial da Saúde (OMS).

No Brasil, 61% dos trabalhadores consideram mudar de emprego em caso de problemas de saúde mental e 74% acreditam que seriam mais produtivos em uma semana de quatro dias. Dados da plataforma de recrutamento Indeed, obtidos com exclusividade pelo Estadão, indicam ainda que 79% concordam em aumentar as horas diárias de trabalho para terem uma semana mais curta e a maioria está disposta a apoiar a empresa na implementação do novo modelo (84%).

De acordo com a pesquisa, a redução da carga também melhoraria a saúde mental (85%) e o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal (86%). É o que vem ocorrendo com Gabriele Lima Silva, analista de experiência do cliente da Gerencianet, desde que ganhou a sexta-feira livre. "Aproveito o momento para estar mais próxima da minha família, filho e cachorro, além de cuidar mais de mim."

O diretor de vendas da Indeed Brasil, Felipe Calbucci, afirma, porém, que a semana de quatro dias pode não fazer sentido para todo tipo de negócio, o que requer avaliar bem a mudança. Isso implica atenção especial à cultura organizacional, diz Evanil Paula, presidente da Gerencianet.

"O que precisa ser replicado entre os empregadores não é a redução da jornada de trabalho e, sim, a cultura. É o que vai permitir pessoas extremamente engajadas e querendo fazer boas entregas. Quando isso ocorrer, vai perceber naturalmente que é possível o funcionário ter mais um dia de descanso na semana. É uma consequência", explica o executivo.

A empresa de meios de pagamentos adotou a sexta-feira livre no início de julho e manteve o controle do ponto para as oito horas de serviço diárias de segunda à quinta. Para implementar o modelo, a Gerencianet fechou acordo com os sindicatos para um novo contrato com os profissionais, atualizando a jornada por seis meses de teste. "Isso é importante, porque a companhia consegue reverter a decisão, caso necessário, sem traumas."

Na visão do CEO, processos seletivos eficientes também favorecem a semana de quatro dias, uma vez que resultam na contratação de talentos alinhados aos valores e princípios da empresa. "O mercado em geral ignora pontos interessantes, como o fato de que a ergonomia e o ócio impactam diretamente na produtividade", acrescenta.

De forma semelhante, a startup Eva Benefícios organizou uma assembleia e fechou acordos individuais com os funcionários para reduzir a carga horária a partir deste mês de julho. "Antes de definir o dia do descanso, é fundamental um estudo para avaliar os impactos e alinhar às expectativas de todos", diz o presidente da empresa, Marcelo Lopes.

O que diz a legislação
A legislação brasileira é diferente da de outros países, como a Bélgica, afirma a advogada da NovaHaus, Laila Ottaiano, especialista em direito internacional do trabalho. Quando o colaborador é registrado por meio de carteira de trabalho no País, é necessário fazer um acordo individual de trabalho, para a implementação da semana de quatro dias, sem alteração salarial.

"Esse formato não requer outorga do sindicato, a empresa delibera diretamente com seus empregados, e é fundamental para evitar problemas futuros, caso seja preciso retomar a carga horária que prevalecia anteriormente", alerta a advogada.

A empresa redige uma minuta com todas as cláusulas, as quais não podem infringir a Constituição Federal, a CLT e a convenção coletiva de trabalho, e precisam passar por aprovação de todos os colaboradores interessados na redução da jornada. Outra modalidade, prevista na legislação, são os acordos coletivos de trabalho, realizados por meio de negociações sindicais.