Há mais de quinze anos, acompanhei estudantes do Ensino Médio em uma viagem de intercâmbio cultural à cidade de Himeji, no Japão. Numa visita a um templo religioso chamou-me a atenção o fato de que ele é periodicamente desmontado e remontado. O motivo? Assim, as novas gerações podem compreender o empenho de seus ancestrais e valorizar suas heranças.
A mesma viagem rendeu outro aprendizado, esse na cidade de Hiroshima. Ali, preservam-se as ruínas da Cúpula Genbaku, edifício que permaneceu praticamente intacto após a explosão da bomba atômica, em 6 de agosto de 1945. As ruínas, hoje preservadas como memorial do bombardeio, estão registradas como Patrimônio Mundial da Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
Tendo trabalhado por dois anos no Setor de Patrimônio Histórico do IPPUC – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba, asseguro que a experiência em terras nipônicas me surpreendeu. Afinal, nas tropicais terras brasileiras, o cuidado com a História, com a memória e com o patrimônio anda a passos lentos.
Por aqui, invariavelmente relacionamos o termo patrimônio histórico ao conjunto de bens materiais, naturais ou imóveis que possuem significado e importância artística, cultural, religiosa, documental ou estética, relacionados a aspectos do passado.
Ao empregarmos esse termo, o que vem à mente são os grandes edifícios, na maioria de uso público, que permanecem como imensos blocos monolíticos, dado seu elevado grau de imobilidade. Também é comum associarmos o termo às obras de arte e monumentos feitos pelo poder público e agências de fomento cultural para criar uma ideia sobre o passado, assegurando uma visão homogênea da História.
Resumindo, a concepção usual de patrimônio é a de patrimônio material, que remete a algo cristalizado, congelado, distante demais de uma dinâmica histórica. Assim, a ideia que o patrimônio transmite não condiz com sua natureza, que é a da preservação da memória coletiva, entendida como uma dimensão fundamental da identidade dos indivíduos tomados em coletividade.
Por isso, devemos ampliar o conceito de patrimônio histórico cultural, expandindo-o para além das edificações, das manchas urbanas, das obras de arte e outros bens materialmente visíveis e palpáveis. Para o IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional -, o patrimônio histórico cultural constitui-se no patrimônio material e imaterial.
Na prática, a ampliação do conceito é tarefa árdua, pois a ideia/conceito de patrimônio cultural está distante do cotidiano vivido. A impressão é de que ele está afastado das experiências e vivências das “pessoas comuns” e que, apesar de importante, esse assunto não lhes diz respeito.
E só é possível identificar e reconhecer um patrimônio cultural a partir do momento em que ele é conhecido enquanto ideia e conceito, passível de ser apreendido e vivenciado por todos os integrantes da sociedade. É aí que uma educação patrimonial se mostra urgente. Ela precisa primar pela construção coletiva do conhecimento, pelo diálogo entre os agentes sociais e pela participação efetiva das comunidades detentoras das referências culturais em que convivem noções plurais do que é esse patrimônio.
É em prol da afirmação das múltiplas identidades culturais e de uma contínua melhoria na qualidade de vida de todas as pessoas que consideramos a preservação e a educação patrimonial como um dos degraus para alcançarmos a cidadania plena. Ela nos permite ser cidadãos conscientes de nossos papéis enquanto sujeitos históricos e quiçá, assim, como acontece no longínquo Japão, as novas gerações compreendam o empenho de seus ancestrais e valorizem suas heranças.
*Norton Frehse Nicolazzi Junior é mestre em História, especialista em Ensino e Cultura Contemporânea e coordenador do Núcleo de Evolução de Conteúdo do Sistema Positivo de Ensino.
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