João Alfredo Lopes Nyegray*


Em 1947, no início daquela que hoje estamos chamando de “Primeira Guerra Fria”, um grupo de cientistas e estudiosos de energia atômica da Universidade de Chicago criou o “relógio do juízo final”. Trata-se de uma contagem simbólica em que a meia noite representaria um apocalipse causado por uma guerra nuclear. À época, um dos momentos em que o relógio quase atingiu a 00 hora foi em 1962, quando da crise dos mísseis de Cuba.

Este ano, ao menos três décadas depois do fim da Guerra Fria, o relógio mais uma vez se aproxima do horário apocalíptico. A escalada de tensões na Europa, que se iniciou com a invasão russa à Ucrânia em fevereiro deste ano, atingiu seu ponto mais tenso em semanas. Na semana passada, enquanto o mundo ainda assistia ao velório da rainha Elizabeth II e se preparava para a Assembleia Geral da ONU, em Nova York, o parlamento russo aprovou uma lei que pode condenar a até 15 anos de prisão os críticos das ações militares russas. Para aqueles que se recusarem a lutar ou desertarem, a pena é de 10 anos de reclusão.

Logo após a aprovação da lei, o presidente russo anunciou a convocação de cerca de 300 mil reservistas para lutar contra a Ucrânia. Trata-se claramente de uma resposta às importantes vitórias ucranianas sobre as tropas russas ocorridas nas últimas semanas. Com moral elevado, armamento ocidental novo e altamente tecnológico, os ucranianos retomaram várias áreas sob controle de Moscou – o que, para Putin, certamente caiu como uma grande vergonha.

Ao convocar reservistas – e com isso gerar uma fuga em massa de homens em idade militar do país e protestos em todas as grandes cidades – Putin, de certa forma, admite o fracasso de sua campanha militar até agora. Trata-se de um claro sinal de que o conflito não só não está saindo como esperado, mas que a Rússia não tem sido capaz de manter o controle das áreas que ocupou.

Mais perigoso do que tudo isso é a carta nuclear: o líder russo afirmou estar disposto a usar bombas nucleares contra a Ucrânia e ameaçou o ocidente como um todo. Considerando que os russos possuem o maior arsenal nuclear do planeta, o uso desse armamento não seria impossível – mas, certamente, traria uma forte reação de todo o mundo. Aqui entram as chamadas “armas nucleares táticas”, de menor potência mas igualmente nocivas. Se essas armas forem de fato utilizadas, aqueles que mantêm apoio velado à Rússia – como China e Índia – dificilmente permaneceriam ao lado de Putin.

Enquanto há analistas que acreditam que a fala do líder russo denota desespero e preocupação com os rumos que o conflito tomou, há quem – como eu – entenda nessa afirmação a demonstração de que Moscou está disposta a lutar por muito tempo, mesmo com as inúmeras sanções ocidentais. No fundo, fica cada vez mais claro que Putin tem pouco a perder.

*João Alfredo Lopes Nyegray, especialista em Negócios Internacionais, doutor em estratégia, coordenador do curso de Comércio Exterior e professor de Geopolítica e Negócios Internacionais na Universidade Positivo (UP). @janyegray