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*Daniel Medeiros

O tempo é uma invenção. Sabemos disso, mas não queremos saber, e achamos chato quem fica lembrando o tempo todo que o tempo não existe. “Como não existe? E essas marcas no rosto, nas mãos, nos braços, que carrego comigo, são o quê?” Não é o tempo, mas o oxigênio que oxida tudo. Não é o tempo, mas a gravidade, inflexível, a atrair tudo para próximo dos corpos com maior massa, alegria e desgraça de vivermos no planeta Terra; não é o tempo, mas o desgaste pelo uso repetido das peças do nosso corpo, máquina incrível, mas muito maltratada por nossa ignorância ou preguiça de ler o interminável manual de orientações sobre o uso correto dos pulmões, coração, estômago, rins, fígado, pele, cérebro. Não é o tempo, é a existência dos outros, que ficam aí se expondo para que comparemos, para que nos meçamos por suas réguas, por suas peles brilhantes e corpos esguios, por sua agilidade e desenvoltura. Não é o tempo. Mas é.

Chamamos de tempo essas marcas de mudanças. Cada volta da Terra em torno de si mesma, em torno do Sol. Chamamos de tempo para não precisar chamar rotação ou translação, porque o tempo não é só um tempo medido, é também um tempo sentido, algo que nos afeta. A medição é precisa, mas o sentimento não é preciso. O tempo voa, dizemos. O tempo não passa nunca. O tempo é cruel. O tempo é fugaz. Esse tempo, o tempo da nossa permanência no mundo, esse existe, e é nosso companheiro mais genioso e inconstante. Por isso, precisamos amarrá-lo a certos pontos fixos, para que não nos escape de vez. Porque, no fundo, precisamos dele, ou pelo menos precisamos desse uso que fazemos dele, como o traçado de uma seta em uma folha de papel, apontando para um lado. Quanto maior o tracejado, mais claro para nós que o alvo da seta está próximo. E o alvo alcançado é o fim do jogo. 

O mês de julho é um desses pontos que nos remete a um cálculo do tempo do jogo que resta. Julho é o meio. Diferente de janeiro, sempre alegre e promissor, e de dezembro, mais reflexivo e aliviado, julho é o mês do susto, quando percebemos que já foi metade do ano e ainda não cumprimos quase nada de nossas promessas de janeiro. E agora, logo, logo, chegará dezembro e então mais um ano, quando se renova a pergunta angustiante: “Até quando estarei nesse jogo?”.

Nas escolas, julho é o mês das pequenas férias, uma espécie de repositório das energias na preparação dos estudantes para a realização dos planos da vida ou, como diziam os Beatles, aquilo que passa velozmente enquanto estamos fazendo os tais planos. Pois é curioso o quanto nos preparamos para a vida enquanto a vida ocorre, pois o tempo não para. Pior é quando, já adultos e afundados nos afazeres do trabalho e na criação dos filhos, sonhamos com o momento em que poderemos finalmente parar e aproveitar o tempo. Apostamos que haverá esse tempo. Aposta perigosa, pois o tempo é esquivo, fugidio e se ausenta quando mais precisamos dele. Mesmo que não nos importemos quando ele é abundante, pois estamos preocupados em estarmos prontos para aproveitá-lo intensamente quando houver tempo para isso. Paradoxo.

Nessa invenção que é o tempo, esse tempo que nos atravessa, soprando baixinho em nossos ouvidos: “Estou aqui”, esquivamo-nos e ocupamo-nos febrilmente para olvidá-lo ou adiá-lo para um momento mais propício. Mas o momento também é o tempo, é uma das formas pelas quais ele se traveste, como o “Só um segundo, por favor”; o “Qualquer hora dessas a gente se vê”; o “Pra semana passo aí, sem falta”; o “Nossa, faz mesmo tantos anos assim desde o nosso último encontro?". Tudo é tempo. E não é.

Até que o tempo, cansado de esperar, vira-nos as costas. Fecha-se em copas. Some no horizonte, esvanece-se. E os que ficam dizem de si para si: “Lembram daquele tempo?”. “Ah, aqueles tempos é que eram bons”. 

E o tempo, que vê tudo, porque está em todos os lugares, ri um riso meio pesaroso: “Ah, se não tivessem desperdiçado aquele mês de julho preocupados com o que foi e com o que estava por vir…

 

*Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica e professor no Curso Positivo. 

@profdanielmedeiros