Adolescentes conectados, famílias em colapso: a urgência de olhar para dentro de casa
Por Renato Rocha
Reportagens veiculadas nas últimas semanas sobre uma rede de adolescentes envolvidos em crimes cibernéticos de ódio, incentivo à automutilação e abuso sexual virtual são um grito de alerta para pais, educadores, autoridades e toda a sociedade. A apreensão de jovens em diversos estados do país, muitos com apenas 13 ou 14 anos, evidencia uma realidade sombria que, por muito tempo, preferimos ignorar: nossos filhos estão crescendo sozinhos, e não é apenas fisicamente.
É assustador perceber como, dentro do ambiente doméstico, adolescentes estão sendo expostos, e, em alguns casos, até encorajados, a práticas destrutivas sem que ninguém perceba. Uma das imagens que mais me marcou foi a da casa de uma dessas adolescentes apreendidas: sujeira por todos os lados, desorganização, caos.
O que se viu ali não foi apenas desordem material. Foi um sintoma evidente de uma família com vínculos rompidos, de adultos que, por vezes, nunca aprenderam o que é acolher, cuidar ou estabelecer limites, porque, talvez, também tenham crescido em ambientes assim, sem terem sido acolhidos e cuidados em suas próprias infâncias.
É fácil julgar. Mais difícil é compreender que, para muitas famílias brasileiras, ambientes como esse não são exceção, são rotina. Onde há ausência física e emocional, miséria, desemprego, abuso de álcool, drogas e uma violência cotidiana que se naturaliza, o afeto e a proteção também escapam. E é nesse ambiente que muitas crianças crescem: sem referência, sem escuta, sem a chance de entender o que é saudável ou seguro.
A internet, nesses casos, não é apenas uma distração. Ela se torna um espaço de pertencimento, mesmo que o que se compartilhe ali seja dor, violência ou destruição. Porque, muitas vezes, qualquer atenção parece melhor do que nenhuma.
Quando uma adolescente afirma que briga constantemente com os pais e irmãos, que se automutila e que passa horas em ambientes virtuais onde o que se compartilha são cortes na pele, abusos e ódio, não estamos apenas diante de um problema individual, estamos diante de um colapso silencioso dentro de muitas casas brasileiras.
Crianças e adolescentes têm passado horas trancados em seus quartos, consumindo conteúdos que os pais sequer imaginam, mergulhando em realidades paralelas onde o grotesco se torna entretenimento. E quando a dor emocional encontra um espaço onde é validada por outros em sofrimento ou, pior, por aliciadores, ela vira autodestruição. Ou crime.
Não se trata de criminalizar famílias. Quando toda a estrutura familiar está adoecida, é dever do Estado e da sociedade intervir, com escuta, apoio, serviços de assistência e oportunidades reais de mudança.
No Projeto Justiça para Todos e no Instituto Mulheres em Ação, dos quais sou fundador, lidamos diariamente com pessoas que tiveram suas histórias marcadas por violência, abandono e omissão. Vemos de perto a dor de quem cresceu invisível. Mas também vemos, todos os dias, a potência que existe quando alguém acredita, orienta, acompanha. Há solução, mas ela exige ação.
A internet não vai esperar. Os predadores também não. A urgência é agora.
Renato Rocha é advogado e fundador do Projeto Justiça para Todos.