Gabriel Schulman*


Recentemente, durante um programa pelo YouTube, o entrevistador defendeu a possiblidade de um partido nazista no Brasil. Em seguida à sua demissão, houve uma saudação nazista em outro programa, como forma de apoio. Essas gravíssimas situações renovam a importância desta reflexão. A liberdade de expressão representa um direito fundamental de grande importância e que deve ser tomado a sério, mesmo no contexto de humor. Estabelecer critérios para seu exercício é uma tarefa bastante complexa, sobretudo porque a censura também é perigosa, porém, não se pode admitir que sob a capa da liberdade de expressão se procure proteger o discurso de ódio.

No Brasil, adota-se a premissa de que as diferentes formas de expressão – texto, imagem, peça de teatro, filme, post em rede social, vídeo no YouTube etc. – devem ser protegidas mesmo quando possam desagradar ou ofender. A regra é a liberdade de expressão, e sua rara restrição, é a exceção. Como diz a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), o discurso “não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores”. A Constituição brasileira, ao valorizar a liberdade de expressão, a equilibra com a possibilidade de reparação por danos e o direito de resposta.

Com os desafios impostos pela velocidade da internet, a violação de direitos humanos e fundamentais exige um direito atento aos desafios no mundo digital, afinal, a proteção se estende para as redes sociais, canais de internet e o metaverso.

A regra é a liberdade, mas não irrestrita. As raras ocasiões em que a liberdade de expressão é abusada, no entanto, exigem atenção redobrada. Nos tribunais brasileiros e na Corte Europeia de Direitos Humanos, entre as situações em que a manifestação não é admitida estão a divulgação de informações falsas - as famosas fake news, o discurso de ódio dirigido a certo grupos, o qual se desdobra em xenofobia, racismo e intolerância religiosa, e o ataque a instituições que comprometa a democracia.

Vale lembrar que o direito à crítica, e até mesmo à sátira, é valorizado, porém, observa-se as intenções e finalidades da mensagem, que mesmo embalada como humor, deve respeitar direitos fundamentais. A Corte Europeia de Direitos Humanos, ao julgar o Caso Dieudonné, ressaltou que a apresentação desse suposto artista “desviava a finalidade da liberdade de expressão, para fazer prevalecer fins contrários ao texto e ao espírito da Convenção e que, se admitidos, contribuiriam para a destruição dos direitos e liberdades garantidos pela Convenção”. É isso que se constata no discurso de Monark ao defender a viabilidade de um partido nazista.

A fala no programa do YouTube, em que se levantou a possibilidade de um partido nazista no Brasil, ofende não apenas a memória de cerca de milhões de vítimas do Holocausto, dos sobreviventes, mas também a essência da Constituição brasileira e dos direitos fundamentais. A crítica é da essência da democracia, mas não o discurso em prol de sua destruição, da discriminação ou da morte de pessoas. Liberdade de opinião não é, e nunca pode ser, apologia à crueldade, à dor e à morte.

*Gabriel Schulman, doutor em Direito pela UERJ e professor do mestrado em Direito da Universidade Positivo (UP).